25 jan - 2024 • 15:00 > 15 fev - 2024 • 16:30
25 jan - 2024 • 15:00 > 15 fev - 2024 • 16:30
O ator como atleta das emoções
Exploração profundada das rasas Raudra, Vira, Abdhuta e Sringara.
Não podemos mais pensar que as emoções tem menos validade do que a substância material, mas sim ao contrário, um processo de retroalimentação. Onde elas se transforma sem sinais celulares que estão totalmente envolvidos no procedo de traduzir para o corpo, o ou seja, a realidade física no processo de transmitir informações ao nosso corpo. Transformando emoção em realidade física e realidade física em emoção. Mente e matéria, matéria e mente.
Caindo por terra a relação binária de mente e corpo e trazendo uma relação mutualmente salutar onde um alimenta a outra.
Uma das grandes discussões do teatro do século XX foi sobre a questão da direção do trabalho do ator: ele aborda essa questão de fora para dentro ou de dentro para fora? Em seu artigo “Rasaesthetics”, nosso professor e parceiro, teórico da performance e diretor de teatro experimental, Richard Schechner, discute uma questão co-relacionada: a localização da teatralidade,1 fazendo um diálogo entre o que poderia parecer a primeira vista, um trio sem semelhanças: o texto clássico indiano sobre performance Natyasastra,2 estudos contemporâneos de neurobiologia e psicologia, e escritos do teórico e pesquisador teatral do século XX, Antonin Artaud. Com um olhar mais apurado podemos perceber que todos os três estão interessados em uma mesma questão: uma teoria sobre uma relação circular, ao invés de binária, entre emoção e corpo, dentro e fora, que está focada num modo de percepção instintivo, visceral, mais do que em uma percepção apenas visual e auditiva.
Fascinado pela teoria clássica indiana de rasa,3 estimulado pelas descobertas da ciência contemporânea, desafiado pela proposta de Artaud do ator ser um “atleta das emoções”,4 e destemido da idéia provinda de muitos treinamentos baseados no método Stanislavski onde um ator não deve nunca “representar a emoção”, Schechner concebeu os exercícios de rasaboxes, o componente prático de seu argumento teórico da Rasaesthetics. Ele começou a ensinar estes exercícios, em workshops sobre performance na Universidade de Nova Iorque (NYU), treinando a expressividade e agilidade emocional-física-vocal do performer. Desde que começamos nós mesmas a ensinar nesses workshops há alguns anos, vimos desenvolvendo e aprofundando os exercícios e aplicando o treinamento em nosso trabalho artístico de performance. Além de sua função como treinamento, o rasaboxes nos propiciou caminhos para a construção da personagem, a criação de partituras emocionais de performance e uma forma direta, encorpada e presente para a preparação emocional anterior ao palco.
Princípios básicos do treinamento
O princípio mais básico de rasaboxes é o de que cada idéia que um ator deseja comunicar deve, de alguma forma, ser incorporada, recebida por e expressa no, ou através do corpo, mesmo que seja apenas no nível da respiração. Idealmente, os exercícios esboçados abaixo colocam em movimento um circuito de feedback entre interno e externo: conforme a emoção corre através do corpo, ela dá forma ao comportamento de acordo com suas demandas, e por seu turno, realimenta a imaginação e aciona impulsos físicos. Fazer e manifestar de modo interligado com receber e responder. Quando alguém se torna completamente conectado energeticamente à emoção, está trabalhando em relação a ela a partir do externo, até chegar ao interno, para novamente retornar. Mais do que focar em um ou outro ponto, no interno ou no externo, o rasaboxes encoraja uma abordagem holística para as relações entre os aspectos interno e externo do ofício de um ator, gerando um diálogo frutífero entre mente e corpo, através de uma focalização no que Candace Pert refere (acima) como as “conexões” entre os dois.
Servindo de ponte entre psicofisiologia e expressividade, o rasaboxes desenvolve uma relação de trabalho consciente entre o indivíduo-ator, corpo físico e emoções, e uma relação emocional-física com o ambiente e outros performers. Os exercícios treinam performers a usar a emoção como uma ferramenta objetiva com a qual podem desenvolver e investigar personagens, cenas, peças inteiras e partituras de performance. Eles podem ajudar o ator a fazer escolhas que não são apenas para ser vistas e ouvidas pela audiência, mas também experienciadas palpavelmente e engajadas visceralmente. Além disso, o rasaboxes pode servir como uma base de treinamento multidirecional, onde hábitos e padrões podem ser trazidos à luz e novas escolhas podem surgir.5
Seja como resultado de nosso treinamento cultural ou teatral ou de nossas histórias individuais, muitos de nós têm acesso limitado à experiência ou expressão de certas emoções. Nós observamos o poder de rasaboxes para libertar performers (nós mesmas incluídas) para experimentarem e desenvolverem uma ampla gama de expressividade, da atuação mais sutil do cinema ao histrionismo operístico ou grotesco, sem sacrificar “sinceridade” ou “verdade”. De fato, por causa de seu foco na incorporação e expressão física, o treinamento rasaboxes pode servir para aprofundar a habilidade do performer em encontrar conexões emocionais autênticas que poderiam, de outra maneira, parecer indisponíveis ao performer. Esse treinamento estimula o ator a abordar seu oficio como um processo consciente, orientado pelo corpo, onde ele possui as chaves e as ferramentas de seu próprio desenvolvimento.
O que é rasa?
Rasa é uma palavra em Sânscrito que significa, literalmente, essência, suco, sabor e pode ser encontrada em antigos textos indianos Ayurvédicos para descrever os seis sabores encontrados nos alimentos: salgado, doce, amargo, ácido, acre e adstringente. Essa propriedade da comida é então usada na combinação de alimentos para equilibrar os humores do corpo – fogo, água e ar – que por sua vez, refletem a composição material do universo. Rasa também se refere aos sabores que são percebidos na comida. No Natyasastra, rasa é descrita como a experiência transmitida através da performance, que, nas formas clássicas indianas que usam a teoria da rasa, é uma combinação inextricável de dança, teatro e música. Em um capítulo dedicado à rasa, Bharata, o autor (talvez real, talvez mítico) do Natyasastra, diz:
Porque ela [performance] é experimentada com prazer, ela é chamada rasa. Como o prazer surge? Pessoas que comem alimentos preparados e misturados com diferentes condimentos e molhos, etc, se elas forem sensíveis, apreciam os diferentes sabores e então sentem prazer (ou satisfação); da mesma maneira, espectadores sensíveis, depois de apreciarem as várias emoções expressas por um ator através de palavras, gestos e sensações, sentem prazer, etc. Este sentimento (final) dos espectadores é aqui explicado como (várias) rasa-s de Natya (Vatsyayan, 1996: p. 55).
Neste contexto, a experiência da rasa é gerada pela representação das nove6 emoções básicas (chamadas de bhavas no Natyasastra) e suas muitas combinações possíveis.7 Como diz Schechner,
As sthayi bhavas são as emoções “permanentes” ou “duradouras” ou íntimas, que são acessadas e evocadas por uma boa atuação, chamada abhinaya. Rasa é a experiência de sthayi bhavas. Para colocar de outro modo, o doce ‘em’ uma ameixa madura é a sthayi bhava, a experiência de “provar o doce” é rasa. Os meios de chegar ao provar – preparando a ameixa, apresentando-a é abhinaya. Cada emoção é a sthayi bhava. Atuar é a arte de apresentar sthayi bhavas, desta forma, ambos performer e público podem ‘provar’ a emoção, a rasa 9 (Schechner, p. 31).
As nove rasas básicas e suas emoções correspondentes, livremente traduzidas, são: sringara (amor, o erótico), raudra (raiva), karuna (tristeza, mas também pena e compaixão), bhayanaka (medo), bibhatsa (repugnância, nojo), vira (coragem, virilidade), hasya (riso, o cômico), adbhuta (maravilha, surpresa), e santa (graça, paz). A experiência dessas emoções tem lugar entre o performer e o espectador no momento da performance ao vivo. Este espaço compartilhado entre é a localização de rasa. O conceito de prazer é essencial aqui tanto para o performer quanto para o espectador. Em certo sentido, ambos estão provando a emoção representada. Embora alguns praticantes da dança clássica indiana irão dizer que não vivenciam as emoções que estão retratando, o que é importante é que eles representam de tal modo que a rasa de uma emoção específica é usufruída – degustada como uma boa refeição – pela audiência.
Como alguém alcança essa experiência compartilhada entre ator e espectador? Nas formas de dança clássica indiana, tais como kathakali, expressões faciais específicas correspondentes às nove emoções básicas são aprendidas e memorizadas pelos bailarinos-atores e representadas em combinações altamente complexas de sapateado rítmico, gestos e outros movimentos do corpo, todos os quais são codificados e representados como dança-teatro “tradicional”, com apenas pequenas variações de uma geração de dançarinos para a seguinte. Mas como esta idéia de rasa se relaciona à prática cênica da performance ocidental? Será, afinal, um modo dos atores ocidentais fazerem uso direto, físico das emoções, sem enfraquecer, mas pelo contrário, fortalecendo outros modos de treinamento deles? Será que os performers podem vir a ser o que Artaud apenas imaginou – “atletas das emoções”? Os exercícios de rasaboxes descritos a seguir formam o campo de nossa exploração e experimentação para responder a essas questões.
Linguagem: porque o sânscrito?
Antes de começarmos nossa descrição dos exercícios propriamente ditos, é talvez necessário explicar nossa relação com os termos em Sânscrito e a complexa teoria que eles refletem. Ao criar um exercício de treinamento projetado principalmente para a aplicação nas práticas performáticas fora do complexo dança-teatro clássico indiano, nós usamos o termo “rasa” (tanto como parte do título da técnica de treinamento como nos próprios exercícios) de modo específico que reflete o uso original no Natyasastra, mas expressa mais exatamente, a maneira particular como Schechner reconfigura o termo em “Rasaesthetics”8. Como você poderá ver na nossa descrição dos exercícios básicos a seguir, nós também mantivemos as palavras em Sânscrito original para cada rasa. Schechner fala de sua escolha por conservar o termo em Sânscrito:
Para mim a razão foi para ajudar os alunos – nenhum deles em minha prática jamais foi literato em Sânscrito – a proporem seus próprios equivalentes para as rasas. É por isso que o exercício começa com a escrita das palavras e desenho de imagens. Usar Inglês (ou qualquer outra língua do conhecimento dos participantes) desde o início seria despersonalizar e limitar o alcance de significados/sensações associados com cada rasa específica. E mais ainda, se usássemos somente uma tradução feita por mim mesmo. Minha “sringara” não é a sua “sringara”, e é importante para mim que durante o exercício sua “sringara” encontre seu lugar. O exercício também é exploratório. Você pode não saber o que sua “sringara” é até você passar pelo processo de escrevê-la, se mover através dela, vocalizá-la, etc. Finalmente, sua “sringara” de hoje pode não ser, e certamente não será, sua “sringara” de amanhã. Organicidade e vivacidade no sentido de possibilitar desenvolver novos significados foram por longo tempo central tanto no meu trabalho artístico quanto no acadêmico9.
De fato, nós observamos ser verdade essa liberdade individual e mudanças constantes de associações. Na prática, cada rasa surge como uma categoria ou “família” de emoção, tal como raudra, que contém uma série de emoções relacionadas. Nós traduzimos livremente a palavra em Sânscrito raudra como “raiva”, mas, além das várias associações pessoais que se possa ter do conceito de raiva, também se subentende os vários níveis de intensidade emocional relacionados à raudra como categoria maior: irritação, cólera, aborrecimento, e assim por diante. Assim, em nosso uso da palavra, raudra é uma rasa, irritação é um aspecto de raudra10.
Finalmente, mais do que codificar a expressão da emoção através de gestos e expressões faciais específicos, que são sempre executados da mesma maneira (como na dança clássica indiana), nosso método é improvisacional. Enquanto o rasaboxes pode dar a sensação de um mergulho na piscina universal das emoções, o modo como cada pessoa entra em contato com e expressa cada emoção é específico do indivíduo e pode mudar a cada vez que se engaja no exercício.
Alguns exercícios básicos11
A grade
Nós começamos fazendo uma grade no chão usando fita crepe ou giz, deixando espaço em torno para as pessoas assistirem ao exercício. O perímetro da grade é de aproximadamente 6,5 m X 5,5 m, criando nove retângulos de lados iguais de aproximadamente 2,15 X 1,80 m. Normalmente trabalhamos em um espaço tipo caixa-preta vazio.
Introduzindo as rasas
Primeiramente designamos cada uma das oito rasas aleatoriamente para cada uma das oito “caixas” de fora, deixando o caixa central vazia. Esta caixa central é reservada para santa, a rasa adicionada por Abhinavagupta alguns séculos depois do Natyasastra ter sido compilado. Refletindo a influência Budista que levou a sua adição como a nona rasa, nós temos frequentemente interpretado santa como um estado de desapego das outras emoções. Localizada espacialmente sempre na caixa central, santa atua em certo sentido, como o olho do furacão. Explicaremos como usamos a caixa de santa mais adiante.
Escrevemos a palavra em Sânscrito para cada rasa nas caixas no chão com giz colorido. Se o chão não for apropriado para se escrever com giz, escrevemos em grandes pedaços de papel colados com fita crepe no chão. Quando todas as rasas estão em seus lugares, andamos em torno da grade e falamos sobre cada uma, dando descrições básicas de cada rasa, baseadas no seu significado e contexto tradicionais Sânscrito, mas também em nossa compreensão contemporânea desses oito estados emocionais. Por exemplo, podemos falar sobre sringara como amor, amor erótico ou romântico, amor de uma mãe por seu filho, amor a Deus, mas também como prazer físico, tal como ao cheirar odores doces, provar uma comida salgada e assim por diante.
Após esta fase, a grade vai aparentar algo assim:
SRINGARA
|
BIBHATSA |
KARUNA |
RAUDRA
|
|
BHAYANAKA |
HASYA |
ADBHUTA |
VIRA |
Associação Palavra-Imagem
Incorporando as Rasas
Neste curso vamos trabalhar 4 primeiras rasas, sendo ela Raudra, Vira, Abhuta, Sringara.
Onde cada ator passará por cada uma delas, formatando seu pensamentos, corpo, respiração, movimento, fala, improvisação.
O curso disponibiliza um certificado a todos aqueles que comparecerem as 4 aulas previstas.
Cancelamentos de pedidos serão aceitos até 7 dias após a compra, desde que a solicitação seja enviada até 48 horas antes do início do evento.
Saiba mais sobre o cancelamentoVocê poderá editar o participante de um ingresso apenas uma vez. Essa opção ficará disponível até 24 horas antes do início do evento.
Saiba como editar participantesEste evento tem a comodidade e a praticidade de uma transmissão online com a melhor experiência garantida pela Sympla.
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Débora S. Magalhães
Atriz, professora de teatro, artes plenas e expressão corporal pela Unirio. Especializada em Jogos e Improviso. Contadora de Histórias formada por Hassane Kouyaté. Dançarina de Dança Contemporânea pela Deborah Colker. Pedagoga, psicóloga com especialização em Disciplina e Comunicação Positiva, Respeito Mútuo, Escuta Empática. Dramaturga, diretora e produtora teatral. Mediadora de conflitos, também acumula funções como facilitadora de Mindulnese, Nuerodesafios e Meditação.
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