É conhecida a narrativa do compositor John Cage que, submetido a uma experiência de silêncio profundo em uma câmara anecóica, constatou que ainda conseguia ouvir os sons internos de seu próprio corpo. Essa história nos confronta com a inevitabilidade de um fenômeno complexo, de natureza múltipla e inesgotável: o silêncio.

O silêncio, que pareceria, em princípio, uma contraposição ao som, uma espécie de negativo, revela-se como um transbordamento das fronteiras do audível. A música ocidental explicita a importância incontornável dos silêncios, do pentagrama à sintetização sonora. Na partitura, a pausa é elemento marcado e significante, parte fundamental da própria composição. No digital, o silêncio é um bloco de tempo sem pulsar que se acrescenta à timeline composicional. A ausência de som, pode-se concluir, não é nulidade de sentido, mas sim o resultado parcial de uma maquinação comunicacional mais ampla de jogos de força a serem cartografados sob perspectivas interdisciplinares. 

Ao adotar os silêncios como tema, procuramos não apenas tratar de perspectivas discursivas mais formalistas no espectro musical, mas também trazer a discussão para os campos social e político, pensando o silenciamento de povos, de vivências e de repertórios culturais. Apesar da constatação contrária de Cage, o silêncio pode também ser algo que nos acompanha e nos confronta com a ameaça constante da inexistência, do apagamento e da dissolução. Esse paradoxo intrínseco à ideia de silêncio apresenta-se como um importante tema a ser resgatado e atualizado para compreender os desafios do tempo presente no campo das sonoridades.

ESPAÑOL:

Es conocida la narrativa del compositor John Cage, quien, sometido a una experiencia de profundo silencio en una cámara anecoica, descubrió que aún podía escuchar los sonidos internos de su propio cuerpo. En esta historia, nos toca la inevitabilidad de un fenómeno complejo, de naturaleza múltiple e inagotable: el silencio.

El silencio, que en principio parecería una contraposición al sonido, una especie de negatividad, se revela como un desbordamiento de los límites de lo audible. La música occidental explica la importancia ineludible de los silencios, desde el pentagrama hasta la síntesis del sonido. En la partitura, la pausa es un elemento marcado y significativo, parte fundamental de la propia composición. En digital, el silencio es un bloque de tiempo sin pulsación que se suma a la línea de tiempo compositiva. Se puede concluir que la ausencia de sonido no es una nulidad de significado, sino más bien el resultado parcial de una maquinación comunicacional más amplia de juegos de fuerza que deben mapearse desde perspectivas interdisciplinarias.

Al adoptar los silencios como tema, buscamos no sólo abordar perspectivas discursivas más formalistas en el espectro musical, sino también llevar la discusión a los campos social y político, pensando en el silenciamiento de personas, experiencias y repertorios culturales. A pesar de la observación contraria de Cage, el silencio también puede ser algo que nos acompaña y nos enfrenta a la constante amenaza de la inexistencia, el borrado y la disolución. Esta paradoja intrínseca a la idea de silencio se presenta como un tema importante a rescatar y actualizar para comprender los desafíos de la actualidad en el campo de los sonidos.

ENGLISH:

The story of composer John Cage is well-known, as he underwent an experience of deep silence in an anechoic chamber and found that he could still hear the internal sounds of his own body. This story confronts us with the inevitability of a complex phenomenon, of a multiple and inexhaustible nature: silence.

Silence, which would seem, at first, to be a counterpoint to sound, a kind of negative, reveals itself as an overflow of the audible boundaries. Western music makes explicit the inescapable importance of silences, from the staff to sound synthesis. In the score, the pause is a marked and significant element, a fundamental part of the composition itself. In digital audio workstations, silence is a block of time without a pulse that is added to the compositional timeline. The absence of sound, it can be concluded, is not a nullity of meaning, but rather the partial result of a broader communicational machination of power games to be mapped from interdisciplinary perspectives.

By adopting silences as a theme, we seek not only to address more formalist discursive perspectives in the musical spectrum, but also to bring the discussion to the social and political fields, thinking about the silencing of peoples, experiences and cultural repertoires. Despite Cage's contrary observation, silence can also be something that accompanies us and confronts us with the constant threat of nonexistence, erasure and dissolution. This paradox intrinsic to the idea of ​​silence presents itself as an important theme to be rescued and updated in order to understand the challenges of the present time in the field of sonorities.